segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Corpo da Mentira

Tive a oportunidade de ir ver no fim-de-semana o novo filme de Ridley Scott, "Body of Lies" - O Corpo da Mentira", excelente filme com dois dos meus actores de eleição: Russell Crowe e Leonardo di Caprio, em mais duas interpretações geniais.
O filme faz um retrato do trabalho dos operacionais da CIA no cenário da guerra no Médio Oriente e questiona de forma brilhante e um tanto ou quanto cínica, a nossa forma de olhar para os heróis e para os vilões, num mundo onde a verdade e a mentira assumem novos contornos.

Definitivamente, um filme a não perder!

Sinopse:
"Leonardo DiCaprio, o vértice principal do filme, é aqui Roger Ferris, um operacional da CIA a trabalhar na área sob disfarce. A sua missão é tentar apanhar o chefe de uma poderosa organização terrorista, obviamente não nomeada como tal no filme, mas construída à imagem da al-Qaeda. O plano de Ferris é inventar uma organização terrorista rival, criar um chefe fictício e assim conseguir que Al Saleem, o Osama bin Laden do filme de Ridley Scott, saia do seu esconderijo, propiciando a sua captura. Por seu turno, Russell Crowe é o homem que, desde território norte-americano, comanda efectivamente as operações de Ferris.
Na realidade, o que o filme põe em causa, como acontece em qualquer "thriller" que se preze, é a veracidade do que vemos. É esta, aliás, uma das armadilhas deste tipo de filmes de acção, ancorados nos cenários de guerra que nos chegam diariamente a casa através dos noticiários televisivos".


* Informação e imagem retirados da Internet

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Alentejo num dia cinzento


Nesse dia, vi o meu pai chorar pela primeira vez. Assim que entrei no quarto, veio-me ao nariz um cheiro intenso a detergente e a desinfectante. As paredes eram amplas, nuas e completamente brancas. O ar estava fresco, demasiado fresco para um quarto que alberga um velho de 93 anos com os pulmões doentes. A meio do quarto uma cama. Uma cama articulada, de lençóis brancos e coberta azul e verde, que destoava um pouco do restante cenário incolor.
Dentro da cama, o meu avô. Deitado de costas, tapado até ao pescoço, fixando o tecto. O rosto estava imóvel, pálido e escanzelado e os olhos, que pareciam muito mais pequenos do que eu tinha na memória, estavam baços e pareciam sonhar.
A princípio, não se apercebe da nossa chegada. Depois, reage ao barulho dos nossos passos e ás vozes que chamam o seu nome. Mas não fala. Apenas emite sons cavos e imperceptíveis. Agita-se debaixo dos cobertores, respira com dificuldade, gira os olhos nas órbitas cansadas. Penso que é a sua maneira de nos dar as boas vindas, de dizer que nos reconhece e que gosta de nos ver.
Ninguém esperava vê-lo assim. Todos sabiam que não estava bem, mas todos ficaram chocados ao vê-lo: um corpo imóvel, dentro de uma cama branca, no meio de paredes brancas e frias. Uma antevisão da morte, sem dúvida.
Nestes momentos, ninguém encontra as palavras certas. Ninguém sabe o que dizer. Mas o silêncio é demasiado duro, quando estamos á volta de uma cama numa Casa de Repouso e nessa cama está um ente querido. Nesses momentos, o silêncio é insuportável.
Alguém olha pela janela e comenta que o mais certo é começar a chover em breve. O dia está cinzento lá fora e o mundo avança, na sua marcha regular, enquanto dentro do quarto o tempo parou. Dentro do quarto o tempo é estático, branco e frio. Alguém sai para ir fumar um cigarro ou ir á casa de banho, num barulho de passos arrastados e portas que batem com estrondo.
Depois chegam mais pessoas. Três filhos, uma nora, quatro netos. O quarto cheio de visitas. Contam-se histórias de antigamente, aventuras da infância, e todos riem, porque importa desanuviar um pouco o ambiente, e, a bem da verdade, as histórias têm mesmo graça. Rir é sempre melhor que chorar e a hora da visita está rapidamente a chegar ao fim.
Tudo mudou para mim, no momento em que ouvi o meu pai soluçar. Estava de costas para nós, o rosto encostado á janela, as mãos abafando os sons da tristeza. Nada podia voltar a ser o mesmo, depois desse choro profundo, depois desse dia cinzento.

01/11/2008
À memória de Leonel Gonçalves (1916-2008)

*Foto retirada da Internet