sexta-feira, 18 de julho de 2008

"Um Ego do tamanho do mundo"

Tinha de partilhar esta bela crónica do Fernando Alvim sobre o Ego (o nosso e o dos outros). Concordo tanto com estas palavras, que até podia ter sido eu a escrevê-las.


"A culpa é do Ego – digo-vos eu. Não houvesse ego no mundo e metade dos problemas estaria já resolvida. Mas o Ego existe, e alguns há que não são nada fáceis de alimentar. Ou porque necessitam de muito alimento. Ou porque são esquisitos com o que lhe dão. Ou porque a sopa está fria, ou porque tem pouco sal, ou porque hoje não me apetece peixe, ou porque hoje é outra vez peixe, porque só gosto de carne, porque só gosto de peixe, porque só gosto de ti, porque só gosto de mim, porque não consigo gostar de ninguém, porque não consigo que ninguém goste de mim. Porque é muito. Porque é pouco. Porque ninguém olha para mim. Porque não sou a mais bonita, isto é, porque sou a mais bonita mas ainda não sou a mais bonita da escola. Porque sou a mais inteligente. E embora digam que há alguém mais inteligente, eu sei que não há ninguém mais inteligente.

O problema é do Ego – digo-vos eu. Não percam mais tempo. O Ego é o espelho que trazemos cá dentro. E há pessoas que tratam do Ego como quem penteia o cabelo antes de sair, como quem cuida das unhas antes de acontecimento importante. O problema é que há pessoas que passam muito tempo a olhar para o seu Ego, como se estivessem a olhar para um espelho e demoram imenso tempo a descer as escadas quando sabem que as esperamos. O Ego não faz caso disso, ouve a buzina lá em baixo e vai dizendo: “já vai, já vai!”, como quem diz “Ele que espere!”. O Ego é esse carro de mercadorias que de repente para numa rua com muito movimento, á hora de ponta e, não fazendo caso, vai descarregando 150 caixas de fruta (maçã Golden que veio lá de cima) fazendo com que todos desejem que a polícia apareça nessa altura e não aparece “porque isto não vêem eles!”, “porque isto é uma vergonha, é o que é!”

Mas calma lá, o Ego não tem de ser uma coisa má. Não tem. Todos nós temos de ter um Ego do mesmo modo que temos de ter duas orelhas. Só que quando temos Ego a mais isso pode ser prejudicial. Porque não raras vezes ficamos a ouvir mal, como se não tivéssemos as tais orelhas. E logo as duas. Como se só ouvíssemos uma voz, a nossa, o nosso eu, como se só nos interessasse o nosso mundo e assim, sem darmos conta, só falamos em nós como se só o que nós dizemos é que é interessante, como se só o que nós construímos é que é bom, como se só o que nós defendemos é que está do lado certo. E assim, este nós assemelha-se àquelas mães que só falam nos filhos e que pensam erradamente que tudo o que eles fazem, ao olhar dos outros, também tem graça. E não tem. Do mesmo modo que há pessoas que só sabem falar sobre elas e daí dizer que “aquela pessoa tem um Ego do tamanho do mundo”. Ás vezes tanto, tão grande, que o próprio mundo não as suporta".


Fernando Alvim, in METRO, 17 de Julho/08
[www.revista365.com]
* Foto retirada da Internet

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